
O retorno de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos introduziu uma significativa incerteza nas dinâmicas do comércio global, colocando a relação entre Brasil e EUA em destaque. A política proposta por Trump de "tarifas recíprocas", que mira produtos como aço, alumínio e etanol, entre outros, levantou preocupações tanto no Brasil quanto em outros países. Embora as reações iniciais do mercado tenham sido relativamente moderadas, os líderes brasileiros estão se preparando para possíveis retaliações e explorando opções como apelos à Organização Mundial do Comércio (OMC). A situação é ainda mais complicada pelos possíveis efeitos colaterais nos mercados globais de aço, especialmente envolvendo a China, e pelas preocupações mais amplas sobre o futuro do comércio internacional e da democracia sob uma política externa americana mais nacionalista.
Tarifas Recíprocas de Trump e o Protecionismo Global
A administração de Trump está propondo uma política de "tarifas recíprocas", mirando países que são percebidos como aplicando impostos injustos sobre importações dos EUA. Essa política vai além das tarifas de importação, abrangendo também impostos internos, regulamentações e políticas cambiais. Essa abordagem se alinha a uma tendência global de aumento do protecionismo, observada nos últimos anos com disputas comerciais entre EUA e China e maior escrutínio sobre acordos comerciais em todo o mundo.
O vice-presidente brasileiro Geraldo Alckmin declarou: "É natural que o novo governo americano queira avaliar o seu comércio exterior, estudar e avaliar a questão do comércio exterior. O Brasil não é problema comercial para os Estados Unidos. A balança comercial nossa de bens é equilibrada. Nós exportamos US$ 40 bilhões e importamos US$ 40 bilhões." Isso destaca a natureza equilibrada do comércio entre Brasil e EUA, potencialmente complicando a justificativa de Trump para as tarifas.
Impacto nos Mercados Globais de Aço e Alumínio
As tarifas propostas representam uma ameaça significativa às exportações globais de aço e alumínio, com as indústrias brasileiras particularmente vulneráveis. Segundo estimativas da Capital Economics, as tarifas podem chegar a 28%. Essa medida pode desencadear uma reorganização nos fluxos globais de comércio desses materiais, beneficiando alguns produtores enquanto prejudica outros.
O CEO da Usiminas, uma importante siderúrgica brasileira, alertou: "Essas tarifas que estão sendo impostas podem gerar um fluxo maior do aço, em muitos casos subsidiado, para países que têm baixa defesa para importação." Isso destaca preocupações com distorções no mercado e o risco de inundação de aço subsidiado chinês em mercados como o brasileiro.
Resposta Internacional e Envolvimento da OMC
A ênfase do presidente Lula na reciprocidade como resposta às tarifas dos EUA reflete um sentimento internacional mais amplo. Ele afirmou: "Se taxar o aço brasileiro, nós vamos reagir comercialmente: ou vamos denunciar na Organização Mundial do Comércio ou vamos taxar produtos que a gente importa deles." Essa abordagem está alinhada com ações tomadas por outros países em resposta às tarifas anteriores dos EUA, como as medidas retaliatórias da União Europeia em 2018.
O possível envolvimento da OMC sublinha a natureza global dessa disputa comercial. No entanto, a eficácia da intervenção da OMC permanece incerta, dados os desafios enfrentados pela organização nos últimos anos e o ceticismo histórico dos EUA em relação às suas decisões.
Consequências Econômicas Globais
As tarifas propostas podem ter consequências econômicas de longo alcance além de Brasil e EUA. Paul Ashworth, economista-chefe da Capital Economics, alertou que essa nova abordagem tributária poderia elevar a tarifa média efetiva sobre as importações dos EUA de 3% para aproximadamente 20%, resultando potencialmente em um aumento temporário da inflação nos EUA de até 4%. Essas pressões inflacionárias poderiam ter efeitos indiretos nos mercados financeiros globais e nas políticas monetárias.
A Disputa pelo Etanol no Contexto Global
A disputa sobre o etanol entre Brasil e EUA reflete debates globais mais amplos sobre subsídios agrícolas e barreiras comerciais. Evandro Gussi, presidente da UNICA (União da Indústria de Cana-de-Açúcar), declarou lamentar a decisão de Trump e afirmou que "os EUA não são um 'paraíso de abertura de mercado' como a Casa Branca diz." Isso destaca a natureza complexa das negociações comerciais agrícolas, frequentemente envolvendo considerações políticas e econômicas sensíveis em muitos países.
Implicações Geopolíticas e Preocupações Democráticas
As preocupações expressas por Lula sobre a democracia global à luz das mudanças na política externa dos EUA sob Trump refletem apreensões internacionais mais amplas. Ele observou: "Eu me preocupo com isso porque o que está em risco no mundo é a democracia, e eles agora estão negando tudo isso. Eu acho delicado." Esse sentimento ecoa preocupações levantadas por vários líderes mundiais sobre o impacto potencial das políticas isolacionistas e protecionistas na cooperação global e nos valores democráticos.
Perspectivas
O futuro das relações comerciais globais, com as dinâmicas Brasil-EUA como um componente chave, permanece incerto. Os próximos meses serão cruciais enquanto governos ao redor do mundo navegam pelo possível ressurgimento das políticas protecionistas dos EUA. A situação exige um equilíbrio delicado entre proteger os interesses nacionais e manter um ambiente comercial global cooperativo. O potencial para uma guerra comercial mais ampla e suas implicações para as relações internacionais e a democracia merecem monitoramento atento por parte de formuladores de políticas públicas e líderes empresariais globalmente.






